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A Renda de Bilro da Raposa - MA

A renda de bilro, originalmente, se caracteriza como um produto cultural europeu, sendo difícil datar com precisão o momento de seu surgimento. Levando-se em consideração a iconografia da época, supõe-se que tenha ocorrido pelo final do século XV e o princípio do século XVI em Flandres, na Bélgica e depois se espalhou por toda Europa, em especial Itália e França como uma forma de quebrar a monotonia do bordado, utilizando como matéria-prima de confecção somente a linha, que trançada de diversas maneiras, formariam o tecido. Só depois chegou a Portugal e ao Arquipélado dos Açores, onde a partir de 1560 passou a ser chamada em português "renda", sendo essas duas localidades, mais tarde, principais responsáveis pela produção e disseminação dessa prática artesanal.

No Brasil, não há registros históricos de seu surgimento, inferindo-se que tenha aqui chegado com as primeiras mulheres portuguesas vindas de áreas costeiras daquele país, onde, tradicionalmente, as rendas eram produzidas. Encontrando assento no nordeste brasileiro, sendo sua prática bastante comum, seguiram pelos estados das áreas costeiras e margens dos rios de vertente ocidental do país, ou seja, em sua maioria, áreas de pesca, o que nos remete a uma velha máxima portuguesa que diz “onde há rede, há renda” (Ramos; Ramos, 1948).

Entre os estados nordestinos, o Ceará se destaca no que tange à tradição do artesanato da renda de bilro. Todavia, nesse movimento de propagação, a renda entrou também no espaço maranhense, formando-se, assim, uma produção em quase todo o estado, e hoje, com menor intensidade, em  cidades  como  Pastos Bons,  Caxias e  São Luís,  sobressaindose,  no último caso, a comunidade de pescadores de Raposa. Dessa forma, surgiu a maior colônia de pescadores  cearenses

Observe os detalhes das vestes do Conde Maurício de Nassau no quadro acima de 1637, pintado por V. Mierefeld.

no Maranhão, devido ao deslocamento desses profissionais naturais do município de Acaraú, naquele estado, em meados da década de 1950, em decorrência das secas frequentes, especialmente a de 1958, muito forte, e que se repetiu em 1965 (Reis, 1997), obrigando centenas de famílias cearenses a migrarem para o Maranhão, sobretudo para Raposa.

Fotografia de rendeiras antigas na Raposa/MA, no centro da imagem, viazualizamos a Mestra Marivelha de origem cearense, foi uma das responsáveis pela introdução da prática da Renda de Bilro na Raposa/MA.

Dona Ritoca, remanescente das Mestras Rendeiras que vieram do Ceará.

Fazer "Renda de Bilro" não é das atividades artesanais mais fáceis. Além do raciocínio lógico e muita atenção, é necessário ainda aprender "ler a renda", "dominar o manuseio dos bilros" que compreende apenas um dos apetrechos necessários ao ato de tecer a renda que requer tempo, mão de obra para sua feitura. Observem abaixo as ferramentas e apetrechos necessários para se fazer "Renda de Bilro":

Modelo de "almofada" comum, revestida de "juta", utilizada na Raposa/MA.

ALMOFADA

Elemento que serve de suporte ou base sobre a qual a renda será tecida - assentada. No Brasil as almofadas possuem desenho similar em todas as regiões do território nacional onde a "Renda de Bilro" é praticada, geralmente variando de formas cilíndricas a arredondadas. O tamanho também pode sefrer variações dependendo do dimensionamento da renda que será confeccionada, as maiores na Raposa/MA, são também denominadas de "marimbas" e podem medir de 0,80m a 1,00m de comprimento por aproximadamente 0,40m de diâmetro e facilitam a confecção de rendas largas.

Na Raposa/MA específicamente, com relação aos materiais de confecção da almofada, existe certa predileção pelo tecido de juta - "estopa" - para o revestimento das almofadas, ressaltando-se que em outras partes do Brasil são utilizados tecidos diversos optand-se pelo "algodãozinho encorpado". Para o recheio são utilizadas "palhas de bananeira" e para torná-la mais estável, são colocadas "pedras" no interior das mesmas.

Nas laterais das almofadas localizam-se duas abertura onde são confeccionadas costuras/bainhas de acabamento, onde são introdizidos cordões grossos que servem para franzi-las e fechar a almofada com o auxílio de pedaços de "papel papelão". Estes orifícios são também utilizados para acomodar alguns pares de "bilros" extras, tesoura, etc. durante o processo de confecção da renda de bilro.

RODILHA

Espécie de "calço" circular confeccionado em "palha de bananeira", podendo ser revestido de tecido de algodão atribuindo-lhe durabilidade, que é utilizado em baixo da almofada para proporcionar maior estabailidade durante o processo de manufatura da "Renda de Bilro".

Seu tamanho é proporcional a dimensão da almofada com a qual faz o conjunto, ou seja, cada almofada possui sua rodilha confeccionada especialmente para acomodá-la de forma perfeita e evitar que a mesma possa "rolar" e permanecer instável durante a confecção da renda.

Rodilha confeccionada em palha de bananeira.

Detalhe do pé de mandacarú e a ocorrência dos espinhos que são extraídos para a utilização durante a feitura da "Renda de Bilro" (Fonte: http://fatosefotosdacaatinga.blogspot.com.br/)

Mólho de espinhos de mandacarú.

ESPINHOS DE MANDACARÚ

No município da Raposa/MA, as rendeiras têm total predileção pela utilização de espinhos extraídos do pé de mandacarú (Cereus jamacaru).

Os espinhos são de fundamental importância para a feitura da "Renda de Bilro", pois os mesmos   são   utilizados  para   prender a  trama  da  renda  durante   sua   execução.  A

medida em que o tecido vai sendo confeccionado, mais espinho são espetados na almofada seguindo uma espécie de diagrama perfurado previamente com o desenho do motivo ou o ponto que se deseja executar.

Apesar de sua predileção entre as rendeiras da Raposa/MA, existe uma restrição com relação a utilização dos espinhos de mandacarú na "Renda de Bilro". Quando faz-se necessário ou a rendeira opta por realizar uma renda "fina", sendo necessário a utilização de linhas mais delicadas, os espinhos precisam ser substituídos por afinetes metálicos que possuem seções mais finas, possibilitando a manufatura de rendas mais delicadas que comercialmente, em virtude da mão de obra solicitada, alcançam valor de mercado bem mais elevado.

Os espinhos são comercializados em "mólhos" contendo 100 (cem) unidades.

"Bilros" tradicionais da Raposa/MA.

BILROS

Espécies de carretéis utilizados em pares onde a linha é enrolada para propiciar a elaboração da "Renda de Bilro", advem daí a denominação dessa modalidade de renda, os "bilros" típicos da Raposa/MA, são confeccionados artesanalmente com pequenas hastes de madeira que recebem em suas extremidades o encaixe de sementes da palmeira "tucum" (Bactris lindmaniana) de formato esférico. Os "bilros" possuem tamanhos variados medindo aproximadamente de 12cm a 17cm de comprimento.

Para que se possa fazer "Renda de Bilro", faz-se necessário muitos pares de "bilros" de acordo com a complexidade da renda (rendas mais complexas exigem um número bem maior de pares de "bilros"). Previamente à etapa de início da confecção da renda, as linhas são enroladas nas extremidades das hastes de cada bilro que desempenham o papel de bobinas. Para evitar que os mesmos se desenrolem, as rendeiras executam uma espécie de laçada peculiar que permite soltar as linha durante o processo de feitura.

Imagem de um "papelão" original obtida na Raposa/MA.

PAPELÃO

Desempenha função de base da "Renda de Bilro", o "papelão" (em Portugal é chamado "pique") é o elemento que vai delimitar o modelo da renda a ser confeccionada. Para possibilitar o processo de feitura da "Renda de Bilro", o "papelão" é disposto sobre a almofada, fixado por espinhos através de perfurações localizadas nos cantos deste apetrecho.

Como o próprio nome enfatiza, esse apetrecho é confeccionado em "papel papelão" - na Raposa/MA as rendeiras também utilizam embalagens "tetra pak" em virtude da sua alta resistência - contendo perfurações que de acordo com a disposição dos buracos, resultará em um determinado ponto ou modelo de renda. Os papelões devem ser executados em materiais de elevada resistência em virtude da forte tensão exercida pelas linhas sobre os espinhos que pode ocasionar rasgos que comprometem a reutilização contínua dos mesmos.

 

Existem inúmeras variações de modelos de "papelões", alguns tradicionais   repassados   de   gerações   para   gerações  e  outros

criados por algumas rendeiras que possuem essa habilidade não comum na comunidade.

 

Um hábito bastante usual é a realização de cópias dos papelões, fato que ocorre durante a manufatura de uma determinada renda, momento em que um papelão ainda sem perfurações é colocado sob um original da renda que será executada, após afinalização, aquele pepelão que fora colocado em baixo, receberá as perfurações perfeitas, caracterizando assim uma cópia do original com o qual a renda fora relizada. Essa prática ocasiona a perpetuação de erros nas perfurações dos papelões que com o passar do tempo sofrem modificações de forma imperceptível por parte da rendeiras.

Com muita cautela e acompanhamento das rendeiras da Raposa/MA, procedi com a revitalização de alguns papelões que como falei anteriormente, em virtude das multiplas cópias, acabaram incorporando muitos erros na disposição das perfurações - picado, fato que dificultava o processo de manufatura daqueles modelos de renda. Nestes termos, lançando mão do progrma CorelDraw, reproduzi os papelões devolvendo a simetria das perfurações, além de atruir cores para identificação dos pontos a serem executados em cada setor da renda, conforme pode ser observado na ilustração ao lado.

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