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A comunidade de Itamatatiua está localizado no município maranhense de Alcântara e está inserida na baixada ocidental do Estado do Maranhão. Distante 90 km da capital São Luís e a 70 km da Sede do Município de Alcântara do qual faz parte, possui em torno de 450 habitantes distribuídos em 132 famílias, com uma economia baseada numa agricultura de subsistência, programas sociais do Governo Federal, criação de animais e produção de artefato cerâmico.

 

Remanescente de quilombo, segundo narrativa local, Itamatatiua tem hoje 315 anos, mas sua origem ainda é discutida na comunidade, o que gera por parte dos mais velhos várias possibilidades para o seu surgimento. Foi também denominada Tamatatiua, conforme consta em documentos do século XVIII. Originou-se da antiga fazenda de propriedade da Ordem Carmelita dedicada a Santa Thereza, de acordo com o ofício enviado em 06 de julho de 1797 pelo Governador Fernando Antônio de Noronha, encaminhado ao Ministro Rodrigues de Souza Coutinho.

No mesmo ano de 1797, o Reverendo Prior João Alves Serrão em seu inventário-declaração dos bens pertencentes ao Convento do Carmo em Alcântara – MA, fazia referência a “uma fazenda dedicada a Santa Thereza, com 135 escravos entre homens e mulheres”. A povoação desta fazenda teve princípio de um casal de escravos que deixou ao Convento em verba de seu testamento Dona Margarida Pestana, de esmola e sem pensão alguma e os mais escravos que não descendem deste casal, foram comprados pelo decurso do tempo.

Após a saída das Carmelitas, embora as terras tenham permanecido oficialmente com a União, no imaginário popular (fato esse que foi difundido ainda no período da Ordem), a fazenda passou a pertencer à santa espanhola Teresa D’Ávila de Jesus , cuja representação junto aos moradores se figurava (e consiste até os dias atuais) no papel de mãe e protetora. É neste processo que se passou a adotar o sobrenome “de Jesus” em boa parte da população, entre os mais antigos sobretudo, como homenagem à sua padroeira.

O pessoal diz que a Santa contou em sonho que queria morar num lugar muito carente, pra ela poder cuidar, levantar sua igreja. Então, diz que ela escolheu
Itamatatiua, porque aqui era carente, porque ela podia cuidar. Então nós nos tornamos filhos dela, né?

(Heloisa de Jesus, moradora de Itamatatiua, em 07.02.2010)

Morada típica do Quilombo de Itamatatiua.

Igreja de Santa Thereza em Itamatatiua.

Após o declínio do período escravocrata no Brasil e sua extinção, os negros herdaram as terras que lá habitavam, os quais constituíram a partir daí para o povoamento do sítio através de gerações. Para a região foram trazidos africanos da etnia Banto e Mina-Jeje, não se conhecendo estruturas originais de povoamento.

O patrimônio material da comunidade comporta em especial lugares e construções (cemitério, igreja, casas de farinha, Fonte do Chora, Pedra de Encantaria e outros), além de peças artesanais e fragmentos, que sobrevivem num contexto em que produtos industriais se tornam cada vez mais presentes. Este universo material (produzido por técnicas que exprimem o saber fazer que estrutura a identidade) incorpora, pelo lado imaterial, as lendas e mitos locais, a religiosidade e, em termos globais, a cultura de Itamatatiua, refletida nas danças, rezas e benzimentos, contos e relatos antigos, saberes e fazeres passados por meio da sua oralidade e dos gestos cotidianos (o mexer da farinha, o modelar da cerâmica, o preparar da terra para o plantio e outros).

A igreja faz parte da paisagem local desde a presença carmelitana na comunidade. Figura como elemento central de identificação e ligação do sítio. Nela encontram-se as imagens de Santa Teresa e dela derivam muitas das referências de Itamatatiua. A Fonte do Chora e a Pedra de Encantaria têm sua origem desconhecida. Contudo, para os moradores, em ambas encontra-se a proteção de “encantados” que tomam conta desses espaços físico e simbólico, permitindo ou não o acesso de pessoas. Tais imposições regem o cotidiano local de tal forma que, no caso da Fonte, abastecer-se de sua água requer a obediência a horários determinados e uma licença prévia pedida por quem se utiliza dela ou passa por sua estrutura física. Segundo narrativa local, é proibida a passagem pela Fonte do Chora a partir das 17 horas. Sua desobediência implica em punições que podem vir sobre a forma de ‘quebrantos’ ou feitiços lançados pelos protetores do local.

Levando-se em consideração seus aspectos culturais, Itamatatiua se constitui em verdadeiro refúgio de manifestações sem igual, destacando-se a brincadeira de tambor de crioulas integrada pelos moradores da localidade, tendo também a participação de integrantes originários de povoados próximos. A apresentação do tambor de crioulas ocorre todo o ano, especialmente na Festa de São Benedito e Santa Thereza.

A Festa de Santa Thereza que ocorre nos dias 14 e 15 de outubro, também possui grande importância para o Quilombo, certamente em virtude de sua origem, cuja fé popular atribui as terras onde está localizado a comunidade de posse de Santa Thereza, sendo os moradores seus guardiões.

Comitiva de devotas de Santa Thereza chegando da peregrinação em busca de jóias para a festa da Santa (da esquerda para a direita com blusa branca observamos D. Neide, segurando a Santa está Denise e Marinete (Sapuca) batendo caixa).

O artesanato em argila manufaturado pelas mulheres quilombolas de Itamatatiua é reconhecido internacionalmente, graças principalmente a tradicional forma com que os produtos são elaborados, feitos de maneira completamente manual tendo como base espécies de rolos de argila de diversas espessuras também denominados "serpentinas" que as artesãs mais antigas dominam com precisão.

A atividade cerâmica merece destaque na comunidade como parte não só tangível desse patrimônio, mas também como expressão simbólica, se se pensar que esta prática deriva do período em que Itamatatiua esteve sob domínio dos carmelitanos, atuando hoje como porta de entrada do sítio, sob o aporte do turismo; como meio de subsistência, complementando a renda local com as vendas e pelo viés simbólico; como prática ensinada através das fontes orais – de mãe para filha, de avó para neta, de irmã para a irmã, etc – e que representa a manutenção de uma tradição que se ressignifica com o passar dos anos. Permanecendo uma atividade com forte expressão, perderam-se, contudo, as tipologias originais, expressão desse processo de ressignificação.

A produção de artefatos cerâmicos é também uma atividade complementar na economia da comunidade. Prática tradicional e secular de Itamatatiua, dita-se, a partir de fontes orais, que a cerâmica é produzida no sítio desde a época em que pertencia à ordem carmelitana, o que pode ser comprovado em documentos oficiais que relatam os bens da ordem no final do século XIX. Há algumas décadas, a cerâmica chegou a ser uma das principais fontes de renda da comunidade, abastecendo outros povoados e cidades como Alcântara e Bequimão com louças, em sua maioria de uso doméstico e telhas para construção. Hoje, sua produção já não é feita em alta escala e sua saída é pouca – embora Itamatatiua possua uma exposição externa à comunidade – se comparado a outros tempos. Apesar disso, seu reconhecimento se dá, principalmente, pela produção cerâmica e pela regência feminina sobre ela. Se outrora as mulheres itamatatiuenses produziam suas louças nos quintais de casa (embora tal prática permaneça em muitos casos), hoje, graças à sua organização sociopolítica, construíram um espaço que concentra desde o armazenamento de matéria-prima para a confecção das peças até a sua exposição, já prontas para venda e consumo.

Dentre as peças produzidas, podemos citar panelas, alguidares, vasos, escultura de mulheres, etc., onde o pote se destaca por caracterizar o utensílio tradicional mais utilizado no cotidiano da comunidade, principalmente para o transporte e armazenamento de água obtida na única fonte natural do povoado, denominada “chora”.

Da esquerda para a direita observamos as artesãs ceramistas D. Maria Cabeça, D. Maria dos Santos, D. Maria dos Anjos, Carleane e D. Neide manufaturando suas peças no Centro de Produção de Itamatatiua.

Potes tradicionais confeccionados em Itamatatiua.

Oportunidade de muito aprendizado e troca de experiências com as Mestras Ceramistas de Itamatatiua. Nas duas imagens a cima, estou muito bem acompanhado das artesãs Pirrixí, Alexandrina e Dona Neide.

Em Itamatatiua, os potes, as bonecas, alguns moldes zoomorfos, cachimbos e aguidares ganham forma nas mãos das artesãs que não veem as etapas de produção de forma mecânica, mas imprimem suas experiências e valores simbólicos nas peças que produzem, diferenciando-se uma das outras, mesmo quando são peças similares: um desenho ou traço que diferencia um pote do outro, por exemplo.

A Associação de Mulheres de Itamatiua é formalizado. Possui sede própria com espaço para produção (preparo da argila, modelagem, secagem - fornos e pintura), local para estoque de matéria-prima e espaço para comercialização.

Fonte de água denominado "Chora" de onde os moradores do quilombo de Itamatatiua apanham água para todas as atividades cotidianas.

Tamarineiras seculares do Quilombo de Itamatatiua.

Reconstitur a história da comunidade de Itamataiua não é desafio fácil mediante falta de muitos dados oficiais, obrigando um “começar do zero” no recontar a história de um território como o “dos filhos de Santa Teresa”, chegou-se à conclusão de que nesse local a territorialidade e as dinâmicas se constituem sob identidades circulantes, resultado da experiência cotidiana e da narrativa, que se confundem no discurso da memória daqueles descendentes de escravos, filhos de uma Santa espanhola, mestras ceramistas, resultantes de um contexto histórico distinto – escravagista, rural – e de muitas faltas que se harmonizam numa comunidade comunal em busca da legitimação do seu território a partir de suas tradições, cultura e práticas.

(TEXTO DE REFERÊNCIA: ARTIGO - TERRAS DE PRETO EM TERRAS DA SANTA: Itamatatiua e as suas dinâmicas quilombolas. AUTORES: Luiz Oosterbeek e Milena das Graças Oliveira Reis - Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 1, jan./abr. 2012)

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